"Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo... "
[Mario Quintana]

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Westminster Melody


Sapatinho-de-judia pendurado na varanda
Um cachorro late para o transeunte
O vento balança a sombra
A sombra da minha infância.

Doces multicoloridos
Tem um sabor muito amargo.

Dois rios sempre a correr
Dois lagos verdes os nutrem.

A solidão tem suas vantagens.
As fadas saem das gavetas
Os monstros se tornam amigos
Os pássaros perdem o medo
E se jogam dos céus.

Estrelas-cadentes de plumas
Nos vidros do meu jardim.

O pêndulo marca as horas
Toca o carrilhão.

Mais um quarto se passa.
Mais um quarto se passa.
Mais um quarto se passa.

Quando se é tão jovem
Não se entende a dor
Não se entende o tempo
Não se entende o medo.

Sentada na sala escura
Ainda está a menina
Rezando aos monstros amigos
Ao som de Westminster Melody.


Niterói, 18/01/2010

Não me faça amar você.


Não me faça esperar na chuva.
Não me faça ajoelhar desse jeito
Não me tranque fora de seu peito
Não me deixe amar você.

Não seja assim tão brilhante
Feito um cometa em meu céu
Não seja assim tão brilhante
Tão perfeitamente distante
Não me faça amar você.

Porque meu coração é de pedra
É de gelo, é de metal.
Se bater ele se parte
Meu coração nunca bate
Não o faça bater por você.

Somos feitos do mesmo mármore
A mesma alma em corpos distintos.
Mas meu sangue é vinho tinto
Envenenado por você.

Não beba meu sangue, não beba
Deixe-me morrer aqui só
Deixe-me amá-lo em segredo
Deixe o amor virar pó.

(Tenho medo, pois é tarde
E não sei mais quem sou.
Nunca nunca nunca nunca
Encontrarei o que o amor me roubou).

Niterói, 02/02/2010

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Trilhos

Nessa estação onde resido, eu não sei se vou ou se fico
Quero me partificar.

Essência

Eu andava na beira do rio.
Estava sol, estava frio
Estavam só eu e o rio.

O frio subia das pedras
Subia subia da água do rio
Mas eu não me importava mais
Pois meu peito era vazio.

Eu andava na beira do rio.

Andava e catava pedras
Pedras azuis, pedras rosas
Pedras lisas, pedras limosas
Pedras fracas e poderosas
Que amontoei na margem do rio.

O rio flui sempre em frente
Mas eu não sigo a corrente.
Ando em círculos, cato pedras
Faço montes
Sinto frio.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Conto


(De um sono profundo
De mais de mil anos
No meio dos espinheiros
Na mais alta torre do mais remoto castelo
Desperta um coração)

Sonolento e confuso
Espreguiça-se, testa os músculos
E recomeça a bater.

Ah, coração enfeitiçado!
Pequeno coração de cristal.
Tão frágil, tão cansado
Tão antigo no sofrer.

Um raio de luz o acordou do sono
Que de outra forma seria eterno.
Pequeno coração, eu temo
Porque eu escuto o vento
Porque eu farejo o inverno.

Não trema, coração solitário
Não deixe seu cristal se romper.
Quem sabe essa luz não se vá
Quem sabe agora, o sol brilhará
Para o inverno aquecer.

(Esperança, pequena fada irônica,
Por favor não me magoe.
Não me engane, Esperança
Preciso me proteger.
Porque na mais alta torre, do mais remoto castelo,
Um coração começou a bater).

Niterói, 10 de julho de 2010